O seio ou a vida

Seis portuguesas juntaram-se para contar a sua penosa luta contra o cancro da mama e provar que cancro não é sinónimo de morte. Aqui ficam os seus testemunhos. Leia a reportagem a partir de sábado, dia 21, na Única.

Expresso online

50 anos, recepcionista
O testemunho de Maria José Gonçalves
O auto-exame é muito importante e pode salvar a vossa vida, tal como salvou a minha.

Detesto frases feitas como: " Aprendemos a dar mais valor à vida" ou " Temos de estar preparadas para a luta". Eu não dei mais valor à vida pois para mim esta sempre foi valiosa. Também não estava preparada para aos 39 anos ouvir dizer "Tens um cancro da mama, vais ser operada, fazer químio e radioterapia, e como consequência do tratamento vai-te cair o cabelo." Não, ninguém está preparado para tamanho choque, mas recupera-se aos poucos. Comigo foi assim. Nunca acreditei que ia morrer de cancro da mama. Acreditei sim que seria uma grande luta da qual eu sairia vencedora porque a doença não seria mais forte do que eu.

Com a ajuda do marido, dos filhos, da família e amigos é bem mais fácil enfrentar o cancro de frente. Como se este fosse um touro e eu uma forcada que, no fim da dura "pega de caras", recebeu uma ovação de pé em plena arena. Já lá vão mais de dez anos.

Cancro não significa morte

Esta é a mensagem que queria deixar a todas as mulheres que estão a passar por esta luta difícil mas não impossível. Cancro não significa morte se for detectado a tempo. Façam a palpação mamária, dirijam-se ao vosso médico de família caso detectem alguma alteração . O auto-exame é muito importante e pode salvar a vossa vida, tal como salvou a minha.

Pensem que não podem ficar deprimidas e baixar os braços e perder a fé. Pelo contrário, devem cerrar os dentes e repetir todos os dias: "Vou-te vencer porque tenho muito mais força do que tu".

E é com este lema que termino todos os meu textos: "Amem e vivam a vida".

45 anos, consultora de seguros
O testemunho de Teresa Nunes
"Olhar-me ao espelho sem mama e careca" não foi fácil mas pensei que seria apenas um período, e foi.

Após um exame de rotina os resultados mostraram que algo de anormal se passava com a minha mama direita. Novos exames foram feitos e tinha... CANCRO

Senti que de um dia para o outro "o cancro caiu no meu colo".

Eu era saudável e de repente estava a morrer...não podia ser.

Lembro-me que pensei: TENHO que arregaçar as "mangas" e lutar. Pedi ajuda aos médicos no sentido, precisava de estar a par de tudo para saber como lutar e eles colaboraram. A espera pela cirurgia foi o pior. Tinha o cancro dentro de mim e ele estava a matar-me, isso foi agoniante. Quando acordei da cirurgia senti que a vida me tinha dado uma nova oportunidade...tinha renascido para a vida.

Tudo estava sobre controlo, tinha que fazer quimioterapia e radioterapia apenas por prevenção. Aceitei com tranquilidade, esta forma de estar fazia parte da minha técnica de luta.

"Olhar-me ao espelho sem mama e careca" não foi fácil mas pensei que seria apenas um período, e foi.

Aceitar

Hoje, passados 6 anos sou uma mulher que acredita na felicidade e no amor e que vale sempre a pena lutar e descobri o quão importante foi "aceitar".

Deixo aqui um apelo a todas as mulheres que estão a passar por este pesadelo: Confiem e acreditem que há vida para alem do cancro... força!

Às mulheres saudáveis deixo outro apelo: Estejam atentas. Sempre que haja alguma alteração no vosso corpo. Cuidem-se. Nem tudo é cancro mas se for encontrado numa fase inicial a possibilidade de sobrevivência é muito elevada.


48 anos, esteticista

O testemunho de Maria José Barata
A operação era para " ontem ", ficaria sem mama, pois ela só me estava a matar e eu queria viver!

Pediram-me que escrevesse as emoções que senti quando soube que tinha cancro. Não é fácil descrever emoções que ainda doem quando se recorda, mas mesmo assim aqui vai:


Tinha 42 anos. Era um dia frio de Janeiro de 2003 quando fui fazer a minha mamografia. Ia calma; era só rotina!


Na sala de radiologia começou a repetição de mamo, eco que aos poucos me foram deixando inquieta, mas muito atenta. Num segundo olhei para a mamografia e ali estava, como se escrito: "cancro". Não queria acreditar!... O susto foi enorme. O choque foi terrível! Mas, mesmo assim, tentei disfarçar o medo e a angústia. Questionei a médica, que me respondeu que teria de fazer mais exames. A resposta confirmou as minhas suspeitas e o mundo inteiro desabou sobre a minha cabeça. Saí da clínica correndo e chorei, chorei, não sei quanto tempo.


Alguns dias mais tarde, depois de muitos medos, chegou o resultado da biopsia e a consulta com o diagnóstico final: "Mastectomia total"! -mais um choque, mas que me fez pensar que todo aquele pesadelo teria que terminar o mais rápido possível. A operação era para "ontem", ficaria sem mama, pois ela só me estava a matar e eu queria viver!

Agarrei-me à vida e à família

Agarrei-me à vida, aos meus filhos, ele com 4 anos e ela com 20 (o meu grande apoio)e ao meu marido, sempre a meu lado; aos meus pais - recebi de todos eles o maior amor e compreensão do mundo.


Agradeço-vos muito: juntos foi mais fácil ultrapassar ou, dizendo melhor, foi menos difícil.


Obrigado!


Hoje, passados 5 anos, recordo o medo, a dor, as lágrimas, a perda, mas também aprendi que o ontem já é passado, o amanhã, quem sabe o que será; não faço planos, o importante é hoje. Viver a vida com intensidade, com amor e, se possível, apoiando e dando a todos alguma felicidade.


Porque, apesar de tudo eu sei que é possível, ser feliz amando e vivendo a Vida!

44 anos, Técnica de Comunicação e Audiovisual
O testemunho de Fernanda Simões
Disse-lhe que uma mulher podia viver 10 anos com cancro no seio sem saber, sem sintomas ou a ignorar os sintomas e que o diagnóstico e a coragem de o fazer são fundamentais.

Acordei durante a noite e toquei com a mão num nódulo, no seio esquerdo, ao mesmo tempo que um mau presságio começava a instalar-se em mim... (...) Quando foi decidido o meu internamento imediato, fui chamada para uma pequena sala com uma assistente de bata azul, baixa, cabelo claro alourado, rosto com expressão dura... com cerca de 48 anos. Disse que tinha que me despir e vestir uma bata para ser observada e que devia entregar os meus objectos pessoais.

Perguntou-me qual era a minha doença e respondi: - Neoplasia da mama! Ficou silenciosa e olhou para mim com expectativa, como se eu fosse uma oportunidade para saber qualquer coisa, que já ansiava há muito. Perguntou com uma voz secreta, virada de costas, enquanto dobrava as minhas roupas: Como é que descobriu isso? Quais foram os seus sintomas?

Medo da mamografia

Respondi naturalmente a todas as questões, até que senti, que aquela assistente estava muito assustada com a minha doença... E mostrei alguma indignação, perguntei-lhe porque estava tão interessada neste assunto? Por fim, disse-me com alguma intimidade, que tinha muito medo de ir fazer uma mamografia, porque tinha muitos gânglios na axila e dores num peito e que como já fazia muitos meses que andava assim...agora já não tinha coragem para saber o que tinha ou não tinha.

Fiquei muito assustada e senti o peso da responsabilidade daquela conversa. Disse-lhe que uma mulher podia viver 10 anos com cancro no seio sem saber, sem sintomas ou a ignorar os sintomas e que o diagnóstico e a coragem de o fazer são fundamentais. Disse também que ela era uma mulher privilegiada, porque trabalhava em ambiente hospitalar e que conhecia os serviços e os médicos, que tinha suficiente informação para estar a ter a atitude correcta na vida.

Por fim, acabei por dizer que não queria acreditar que tinha tido esta conversa dentro de um hospital e que ela estava a fazer o "golpe da avestruz" com a cabeça escondida na areia! A assistente, apenas me disse: - Pois, eu sei, tem toda a razão, mas já pensou, se isto já é tarde demais, eu prefiro não saber nada...


23 anos, estudante de Comunicação Social

O testemunho de Janete Alves
A queda do cabelo foi um mal menor, mas reconheço que é muito difícil sair à rua de lenço na cabeça.


Quando soube que tinha um cancro não queria acreditar. Parecia-me mentira. E durante 1 ano senti que estava a ver a minha vida de fora, que não era eu que a estava a viver. Parecia um pesadelo e eu queria acordar. Mas quando me levantava de manhã, confrontava-me com a mesma realidade.

E agora? Pensei. O que é que se vai passar comigo? Como vai ser a minha vida? Como vou contar aos meus amigos? Vou ter que fazer aqueles tratamentos em que nos cai o cabelo? Vou morrer? Não. Isso não pensei... pelo menos na fase do diagnóstico e na fase dos tratamentos.

Não sei dizer o que senti ao certo. Senti medo, injustiça, tristeza, vontade de chorar, ansiedade... mas senti apoio, coragem, força e vida. Senti-me feliz por estar viva e por ter esta oportunidade de lutar. Senti-me privilegiada por poder fazer a minha vida normal e pensei que não era infeliz. Infelizes eram aqueles que aos 20 anos se vêem para sempre presos a uma cadeira de rodas, por exemplo.

Depois, a fase dos tratamentos foi também muito difícil. Isto porque, para além da parte emocional com que temos que lidar, vem a parte física. E aqui sentimo-nos mais impotentes. Pelo menos eu senti-me. Isto porque não deixei de dormir a pensar que tinha um cancro. Mas passei noites em claro porque não conseguia estar 5m longe da casa-de-banho a vomitar. Primeiro foi a quimioterapia. Para mim, a parte mais difícil foram os enjoos e as náuseas. Só de estar a escrever ainda me lembro dessas sensações, aqui no meu quarto... E durante uns bons meses não conseguia dormir nele porque o cheiro do meu próprio quarto me enjoava. A queda do cabelo foi um mal menor, mas reconheço que é muito difícil sair à rua de lenço na cabeça. Parece que é a nossa marca de identidade e levamos um cartaz colado que diz: SIM, TENHO UM CANCRO! E depois passamos e sentimos que as pessoas olham e comentam "coitadinha", "será que vai morrer?"

A radioterapia foi o mais fácil

A radioterapia para mim foi o tratamento mais fácil. Foi chato, mas, de todos, o que menos marcas me deixou. Ainda assim, deixou-me alguns pontos (espécies de tatuagens) que são isso mesmo, tatuagens. Isto é, marcas para o resto da vida...

A hormonoterapia ainda está a decorrer... é o mais fácil de fazer, mas é o que mais me perturbou em termos emocionais porque tens efeitos secundários, tais como os afrontamentos e vão-me provocar uma menopausa precoce. Para uma jovem de 23 anos, receber este diagnóstico, depois de todo o processo da doença é muito difícil. E reconheço que ainda é. Ainda está tudo muito recente, muito no início. E também sei que ainda não estou livre de perigo. Mas quem o está? E é assim que eu penso e sigo com a minha vida. Feliz por ter esta 2ª oportunidade, que fiz por merecê-la e que valorizo muito... E às vezes penso "que injustiça ter tido um cancro tão nova" e foi de facto. Mas também penso que, se não fosse esta experiência, eu talvez não vivesse a vida desta maneira. Não lhe desse tanto valor. E não me sentisse tão feliz por vivê-la.


37 anos, recepcionista
O testemunho de Teresa Cardoso
Foi um "mar de emoções" que pairaram sobre mim. Medo, desespero, aflição, o chão a fugir, mas não a vida, essa eu não iria deixar fugir com tanta facilidade.

Só de pensar que num simples dia, a minha pequena pilha eléctrica o André com a sua pura inocência me magoou ou salvou a vida de tanto querer brincar comigo.

E eu no momento tive um pressentimento o "sexto sentido" a funcionar, resolvi ligar ao meu médico de família a pedir novamente uma eco mamária, e assim foi, 8 dias depois lá estava eu e fazê-la.

O tal dito nódulo de leite (leite encaroçado) desde a primeira gravidez, e que passou a ser vigiada todos os anos, por precaução.

Há que não esquecer que por mais que eu esteja bastante magoada com a doença ao mesmo tempo Deus foi sempre colocando as pessoas certas no momento certo no meu caminho.

Dia fatídico (dia do exame) estava na maca e mal tinha começado a fazer o exame a Drª começou a falar baixinho e de repente ouvi a seguinte frase: "você tem um cancro!". As lágrimas começaram a correr, sem conseguir controlar, o desespero tinha começado.

Foi um "mar de emoções" que pairaram sobre mim. Medo, desespero, aflição, o chão a fugir, mas não a vida, essa eu não iria deixar fugir com tanta facilidade, "senti-me oca".

O horrível desespero

Nesse mesmo dia fiz a citologia em particular, pois falei com um dos meus anjos, o meu médico Dr. Edgar. E vinte quatro horas depois tinha o resultado da citologia nas minhas mãos: era maligno.

Liguei novamente ao meu médico e nesse mesmo dia fui ter com ele, era só ouvir da boca dele aquilo que os meus olhos tinham lido. Foi horrível o desespero, também estava estampado no seu rosto, pegou na sua agenda e deu-me o contacto de uma médica sua conhecida e de confiança, "era isso que eu queria".

No dia seguinte fiz a marcação para 8 dias depois. Mais uma vez a frontalidade estava presente "vamos já marcar a operação", isto era uma 3ª.feira para 6ª.feira, foi tudo muito rápido, sem tempo para pensar, nem reagir. Tinha que seguir em frente com muita fé e de que tudo iria correr bem.

Dei por mim com uma força interior enorme que jamais pensei ter, não era hora de ter pena de mim.

No dia da operação pedi com imensa fé aos meus anjinhos que me acompanhassem, e assim foi, correu tudo lindamente, tirei só 1 terço da mama com esvaziamento da axila. Uma etapa já tinha passado e afinal tinha fugido o chão e não a vida.

Quero que os meus filhos vejam em mim uma mãe com coragem, e para que eles cresçam mais fortes e não desistam nas primeiras dificuldades da vida, "e se ela tem muitas!".

Passado um mês mais um momento difícil iria começar a quimioterapia, estava com receio, uma coisa é sermos operados olharmo-nos ao espelho e identificarmo-nos com o que vemos, outra era ficarmos sem cabelo, pestanas, inchadas...

Quinze dias depois da primeira sessão da quimio, fazia os meus 33 anos, e pedi a todos os santinhos que ainda tivesse cabelo e assim foi, cumpriram com a sua palavra tinha o meu rico cabelo e sentia-me feliz, dois dias depois começou a cair drasticamente não existe palavra nem sentimento para explicar ou definir aquele momento.

Como é que uma simples perda de cabelo nos deixa em tão baixo, só me lembro de chorar muito, enquanto o meu marido me cortava o cabelo, as lágrimas insistiam em cair, e os cabelos colavam-se no meu rosto.

Um enorme vazio

Senti um vazio tão grande, estive duas semanas em silêncio profundo e perdida no tal "mar de emoções". Resolvi sair do fundo do poço e tentar deixar passar a luz que ainda tinha dentro de mim.

O Natal estava perto e resolvi que teria que ser o Natal mais feliz da minha vida, foi o Amor que sinto pela minha mãe e pela família que me fez sair do fundo do poço, também ela entretanto foi operada e iria passar o Natal na minha casa, portanto teria tudo a meu favor, luz pela vida, calor humano, Amor, felicidade, algumas lágrimas de alegria e paz, estava rodeada de pessoas que amo (os meus filhotes, marido e restante família).

Passado algum tempo começou a radioterapia e comecei a ficar muito mais optimista e com esperança que aquele tormento estava perto do fim.

Quimioterapia- a perda de identidade o medo das infecções e as possíveis complicações.

Radioterapia- um cansaço imenso mas mais perto de uma nova etapa.

Na APAMCM encontrei o Reiki e Psicoterapia (Astrid), foram terapias que me ajudaram imenso

- Para o meu marido era e sou o seu pilar, os meus filhotes eram e são a minha força de viver e a minha paz.

- Os meus pais e irmão são a minha capacidade e resistência a tudo o que se passava.

- Não tirando o todo valor à restante família e amigos que sempre me apoiou, o meu muito obrigado, por estarem presentes.

Passado quase cinco anos contínuo com muita força de viver e incutir Amor, esperança, paz e nunca desistir.

Amo os meus filhos de paixão intensa, amo a família pois sem Amor não se vai a lado nenhum, mas pela primeira vez eu me coloquei em primeiro lugar, respeitei-me "só cortei o cabelo quando achei que tinha de ser e quando estava preparada".

Comecei Amar-me, lutei pelos filhotes e família, mas acima de tudo, lutei por mim, sou nova demais para desistir.

Comentários

  1. Gostei muito de ler estes testemunhos!
    Em todos eles está um pouco do que também passei!
    Partilhar estas experiências ajuda-nos a viver.
    Um beijinho para ti, e para todas estas vencedoras.

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  2. o importante é haver estes testemunhos reais para acreditar que sempre que uma porta se fecha se abre uma janela...

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